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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Liberdade de expressão durante a ditadura militar (1964-1985).

HISTÓRIA: EDUCAÇÃO, RELAÇÕES SOCIAIS E CULTURA

ALUNO: David Pereira1

Artigo: Liberdade de expressão durante a ditadura militar (1964-1985).

Trabalho realizado para a disciplina de Intersecções entre História e Arte, sob a responsabilidade da Profa. Ms. Angélica Höffler.

RESUMO

Este artigo tem a finalidade de mostrar como músicos e artistas tentaram burlar a censura denunciando as torturas e a falta de liberdade de expressão imposta pela Ditadura Militar (1964-1985) ocorrida no Brasil. Também mostra como a época redefine o comportamento de uma população. Porém é salutar lembrarmos que não é um processo ameno, durante o período estudado existiu muita resistência por parte de muitos que lutaram contra determinações que vinham de cima para baixo, manifestando-se através de seus trabalhos artísticos que iam de encontro com as restrições imposta pelo Estado.

Palavras chave: Música, arte, ditadura, censura, liberdade de expressão, denúncia, população.

ABSTRACT

This article aims to show how musicians and artists tried to circumvent the censorship denouncing torture and lack of freedom of expression imposed by the military dictatorship (1964-1985) occurred in Brazil. It also shows how the season resets the behavior of a population. But it is salutary to remember that there is a mild process, during the period studied, there was much resistance by many who fought against determinations that came from the top down manifesting itself through his artwork that went to meet the restrictions imposed by the state. Keywords: Music, art, dictatorship, censorship, freedom of speech, complaint, population.

IMPRENSA, MÚSICOS E ARTÍSTAS QUE DENUNCIARAM E SE REBELARAM CONTRA A DITADURA.

O Regime Militar foi instaurado pelo golpe de Estado de 31 de março de 1964. Este regime perdurou até a abertura política, em 1985. Foi um tempo de autoritarismo, perseguição policial e militar, prisão e tortura de quem era contra o sistema, supressão dos direitos constitucionais e uma censura prévia aos meios de comunicação.

Para a maioria da população tudo estava transcorrendo sem maiores problemas, o país estava progredindo, enaltecia-se a pátria e os governos militares passavam a ideia de que tinham um inimigo a combater, e este inimigo era o comunismo e as pessoas que ousavam em se revoltar com essa ideologia transmitida pela elite e por quem governava o país.

Segundo Marilena Chaui (2001), cada um de nós experimenta no cotidiano a forte presença de uma representação homogênea que os brasileiros possuem do país e de si mesmos. Essa representação permite, em certos momentos, crer na unidade, na identidade e na indivisibilidade da nação e do povo brasileiro, e, em outros momentos, concebe a divisão social e a divisão política sob a forma dos amigos da nação e dos inimigos a combater; combate que engendrará ou conservará a unidade, a identidade e a indivisibilidade nacionais. A representação é suficientemente forte e fluída para receber essas alterações que não tocam em seu fundo.

"Cabe destacar que é um período que a população em sua maioria permaneceu adestrada, obediente, vigiada e por que não dizer, disciplinada por mecanismos hierarquizados do Estado. O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar: um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam". (FOUCAULT, 1977, p. 153)

É claro que a disciplina e vigilância imposta pelos órgãos de informação e repressão do Regime Militar, acondicionaram à população, a temerem por qualquer movimento ou atividades que iriam de encontro às ordens estabelecidas pelos governantes.

Porém, houve quem enfrentasse o sistema, e é o que este trabalho vai procurar mostrar, mesmo com a vigilância constante por parte do Estado parte da imprensa, artistas e músicos desafiaram o governo autoritário, é o caso do artista Elifas Andreato2, que fez mais de 350 capas de discos, capas de livros, além de cartazes de filmes e peças de teatro.

No entanto, é no teatro, um de seus trabalhos mais expressivos, o cartaz da peça Mortos Sem Sepultura, que faz referência a obra de mesmo nome de Jean-Paul Sartre3, publicada em 1946.

Cartaz denunciando um tipo usual de tortura nas dependências do DOI-CODI

Trata-se de uma peça de teatro composta por três atos e narra a história de um grupo de partidários que, durante a segunda guerra mundial atacou um vilarejo francês, matou muitas pessoas consideradas inocentes e, conseqüentemente, foi preso pela milícia. Durante todo o tempo que permanecem presos, todos os envolvidos foram torturados sequencialmente e em separados, culminando em troca de olhares, onde se perguntavam quem seria o delator ou quem resistiria até a morte.

"Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até às singularidades necessárias e suficientes. Adestra as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de elementos individuais – pequenas células separadas, autonomias orgânicas, identidade e continuidade genéticas, segmentos combinatórios". (FOUCAULT, 1977, p. 153)

É comum por parte da sociedade vigiar e fiscalizar o outro, enxergar os defeitos e vícios do próximo, porém é mais comum ocultar nossas debilidades como forma de se defender e ainda não se expor diante do que é reprovado pela mesma sociedade.

Nota-se que embora a ambientação do quadro refere-se a França, Elifas, faz uma analogia com o que o Brasil vivia, tentava romper a treva da ditadura militar, ou seja, era um cartaz denúncia, era o retrato do Brasil. Tanto que em 1977, o cartaz foi apreendido pela Polícia Federal.

Em 25 de outubro de 1981, Elifas Andreato, produz um quadro para um exposição comemorativa do centenário de nascimento de Pablo Picasso4.

O quadro produzido por Elifas para a exposição denuncia o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependência do DOI-CODI. A curiosidade do quadro se deve a coincidência da data de nascimento de Picasso, 25 de outubro de 1881, com a morte de Herzog em 25 de outubro de 1975.

Como Elifas Andreato gosta de dizer: "Minha arte se liga à história da minha vida, das vidas assemelhadas à minha, e serve para contar o que eu e pessoas semelhantes a mim entendemos seja o mundo, a justiça e a liberdade".

Lembramos que Elifas, também foi um resistente. Resistiu nos "anos de chumbo" contra a ditadura. Através de sua arte procurou denunciar as barbáries que o regime cometia.

A imprensa também é destaque na época no que diz respeito a resistência à censura. Embora com o advento do AI-5 que estipulava a todo e qualquer veículo de comunicação deveria ter a sua pauta previamente aprovada e sujeita a fiscalização por parte dos agentes do Estado, muitas formas e medidas diversas foram tomadas como protesto, ou seja, algumas publicações impressas deixavam páginas inteiras em branco. Outras publicavam receitas de bolos e doces, também como forma de representar uma insatisfação com tudo que estava acontecendo. Essas iniciativas visavam fazer com que a população brasileira passasse a enxergar nas entre linhas as atrocidades que a ditadura impunha, desconhecidas pela maioria.

"A representação imaginária está carregada de afetividade e de emoções criadoras e poéticas. A diferença entre o imaginário e a ideologia é que, embora ambos façam parte do domínio das representações, referidas ao processo de abstração, a ideologia está investida por uma concepção de mundo que, ao pretender impor à representação um sentido definido, perverte tanto o real material quanto esse outro real perverte o imaginário". (TRINDADE, p. 8)

Como vimos, tinha sim resistência ao sistema e o meio musical não ficou de fora, encontraram como forma de protesto e denúncia a elaboração de canções que tinham duplo sentido, onde alertavam os mais atentos, que a música se tratava de críticas ao regime militar.

Cabe destacar as figuras de Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré, Taiguara, Caetano Veloso, Tom Zé, Gilberto Gil, entre outros.

Geraldo Vandré foi indicado como um grande inimigo do regime militar. Sua música "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores", conhecida como "Caminhando", cantada no Festival Internacional da Canção, em 1968, tornou-se um hino contra a ditadura militar. A música ficou proibida de ser cantada e executada em todo o país. Hoje, na maioria das manifestações e lutas por direitos na nossa sociedade ela não deixa de ser cantada.

A música de Geraldo Vandré fala em união, igualdade, inconformidade com as coisas e aborda a pobreza da população.

Um exemplo é o seu refrão: "Vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer". Ele implica em um apelo a população para não ficar parada, deve-se lutar e exigir igualdade de direitos.

Geraldo Vandré esteve exilado de 1969 a 1973. Devido a perseguição do regime, sua carreira foi interrompida, mesmo quando retornou do exílio, nunca mais conseguiu recuperar a carreira.

Depois de Vandré, foi a vez de Chico Buarque de Holanda, o novo perseguido pelo regime autoritário. São várias canções que o cantor teve censurada, aqui darei destaque para a canção "Cálice", ela traz em seu bojo metáforas utilizadas para denunciar a tortura no Brasil, na letra da canção, Chico faz várias críticas:

No refrão: "Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue", podemos identificar a denuncia de um regime de opressão e de violência exacerbada.

Em outro refrão: "Como é difícil acordar calado se na calada da noite eu me dano", uma analogia a tantos que enfrentavam o sistema e eram presos e privados de sua liberdade durante a noite pelo policiais do regime.

Chico Buarque não desistiu, na sua música "Meu caro Amigo", tece novas críticas à ditadura, ao exílio e censura. Essa música era uma espécie de carta ao seu amigo Augusto Boal5, exilado na Itália, na letra da canção, Chico Buarque conta como vão as coisas no país destacando os problemas enfrentados pelos que aqui estavam submetidos ao regime.

Como vimos, existiu sim, uma resistência por parte da imprensa, de músicos e artistas durante a ditadura militar, eles não aceitaram de forma pacífica a censura imposta no período. Sempre trouxeram em suas canções e nos seus trabalhos artísticos a denúncia e a esperança de mudança. Segundo Santo Agostinho6: "A esperança tem duas filhas lindas, a raiva e a coragem, a raiva do estado das coisas, e a coragem de mudá-lo".

Portanto, esses artistas tiveram a coragem de enfrentar todas as adversidades, muitos inclusive, tiveram de se privar momentaneamente de suas carreiras e contribuíram muito para o processo de democratização do país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Neste artigo procurei mostrar os principais focos de resistência durante os 21 anos da ditadura militar. Foquei-me a resistência sem violência exercida por parte da imprensa, de músicos e artistas, diante do regime onde muitos foram perseguidos, outros tiveram suas carreiras prejudicadas e, outros tantos tiveram o exílio como única alternativa para poderem continuar a exercer sua liberdade de expressão.

Segundo FOUCAULT (1977) numa sociedade em que os elementos principais não são mais a comunidade e a vida pública, mas os indivíduos privados por um lado, e o Estado por outro, as relações só podem ser reguladas numa forma exatamente inversa ao espetáculo.

A Ditadura Militar vigiou e puniu quem quer que fosse para manter o regime, as proibições eram muitas, a vida da população era fiscalizada e observada, pouca liberdade tinha a população brasileira. Tudo isso acontecendo e poucas pessoas se davam contam dos "acontecimentos", ou seja, as torturas nos porões, os assassinatos e a falta de liberdade que eram impostas pelo Estado. Podemos utilizar até o refrão da música de Zé Geraldo7, Milho Aos Pombos, "Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos".

"No tempo moderno, estava reservado à influência sempre crescente do Estado, à sua intervenção cada dia mais profunda em todos os detalhes e relações da vida social, aumentar e aperfeiçoar as garantias estatais, utilizando e dirigindo para essa grande finalidade a construção e a distribuição de edifícios destinados a vigiar ao mesmo tempo uma grande multidão de homens". (FOUCAULT, 1977, P. 190)

O Estado transmitia que tudo estava andando em perfeita harmonia, o progresso ocorria, o país estava melhorando, não tinha por que duvidar dos governantes, muito menos enfrentá-los e resistir as suas ações.

"A ideologia, forma específica do imaginário social moderno, é a maneira necessária pela qual os agentes sociais representam para si mesmos o aparecer social, econômico e político, de tal sorte que essa aparência (que não devemos simplesmente tomar como sinônimo de ilusão ou falsidade), por ser o modo imediato e abstrato de manifestação do processo histórico, é o ocultamento ou a dissimulação do real". (CHAUÍ, 2000, p. 3)

O imaginário tornou-se a representação dos pensamentos; por meio dessa representação o homem estabeleceu a conexão com seu meio. Sua busca incessante pela concretização do imaginário fez com que as representações geradas instaurassem uma nova realidade social; surgiram ideais de beleza, de ordem, de sociedade, de progresso.

Nesse período foram poucas as pessoas que utilizaram seus poderes para promover um bem, a maioria esperava que algum poder externo fizesse o trabalho pelo qual eram responsáveis. Este artigo quer mostrar justamente que esse poder externo foi exercido por parte da imprensa, pelos músicos e artistas acima abordados, e por muitos outros, que não tiveram aqui os nomes referenciados, pois ficaria muito extenso o nosso trabalho. Portanto, todos tiveram a coragem de enfrentar o poder autoritário do Estado e exigir sua liberdade de expressão.

Lembramos das palavras de Montesquieu8: "O pior governo é o que exerce a tirania em nome das leis e da justiça".

Por outro lado, o melhor caminho para mudar o estado das coisas é se movimentar e lutar por aquilo que denominamos justiça e liberdade.

REFERÊNCIAS

CHAUÍ, Marilena Souza. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo: 2001.

CHAUÍ, Marilena Souza. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas / Marilena Chauí – 8 ed. São Paulo: Cortez, 2000.

DAMÁSIO, Celuy Roberta Hundzinski. Artigo – Mortos Sem Sepultura e o olhar de O Ser e o Nada. Revista Espaço Acadêmico. Disponível em http://www.espacoacademico.com.br, Acesso em 20 fev. 2011.

DONATO, Hernâni. Brasil 5 séculos. São Paulo: Academia Lusíada de Ciências, Letras e Artes, 2000.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Lígia M. Pondé Vassallo. Petrópolis, Vozes, 1977.

TRINDADE, François Laplantine Liane. O que é imaginário. São Paulo: Editora Brasiliense. Versão Digital.


Notas:

1 Graduado em Licenciatura em História pela UNIESP e Pós-graduado em História: Educação, Relações Sociais e Cultura pela UNINOVE.

2 Elifas Andreato (Rolândia, 1946) é um designer gráfico e ilustrador brasileiro. Com mais de quarenta anos de atividade como artista plástico, Elifas é especialmente reconhecido como ilustrador de inúmeras capas de discos de vinil nos anos 70, incluindo grandes nomes da Música Popular Brasileira. (http://pt.wikipedia.org/ em 20 de fevereiro de 2011, às 12:00h) 3 Jean-Paul Charles Aymard Sartre (Paris, 21 de Junho de 1905 – Paris, 15 de Abril de 1980) foi um filósfo, escritor e crítico francês, conhecido representante do existencialismo.. (http://pt.wikipedia.org/ em 29 de fevereiro de 2011, às 14:00h)

4 Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso, ou simplesmente Pablo Picasso (Málaga, 25 de outubro de 1881 – Mougins, 8 de abril de 1973), foi um pintor, escultor e desenhador espanhol, tendo também desenvolvido a poesia. (http://pt.wikipedia.org/ em 21 de fevereiro de 2011, às 20:05h)

5 Augusto Pinto Boal (Rio de Janeiro, 16 de março de 1931 – Rio de Janeiro, 2 de maio de 2009) foi diretor de teatro, dramaturgo e ensaísta brasileiro, uma das grandes figuras do teatro contemporâneo internacional. (http://pt.wikipedia.org/ em 26 de fevereiro de 2011, às 20:30h) 6 Aurélio Agostinho (em latim: Aurelius Augustinus), dito de Hipona, conhecido como Santo Agostinho (Tagaste, 13 de novembro de 354 – Hipona, 28 de agosto de 430), foi um bispo, escritor, teólogo, filósofo e é um Padre latino e Doutor da Igreja Católica. (http://pt.wikipedia.org/ em 26 de fevereiro de 2011, às 20:40h)

7 José Geraldo Juste, conhecido como Zé Geraldo, (Rodeiro, 9 de dezembro de 1944) é um cantor e compositor brasileiro.. (http://pt.wikipedia.org/ em 06 de março de 2011, às 18:00h)

8 Charles-Louis de Secondat, ou simplesmente Charles de Montesquieu, senhor de La Brède ou barão de Montesquieu (castelo de La Brède, próximo a Bordéus, 18 de janeiro de 1689 – Paris, 10 de fevereiro de 1755), foi um político, filósofo e escritor francês. Ficou famoso pela sua Teoria da Separação dos Poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais. (http://pt.wikipedia.org/ em 10 de março de 2011, às 21:00h)

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