TOMÁS DE TORQUEMADA – O INQUISITOR
Artigo de FERNANDO FERNANDES:
Na segunda metade do século XV, a Península Ibérica tinha
mais judeus convertidos do que qualquer outra região do mundo. Ocupada
durante séculos pelos muçulmanos, que concediam aos judeus liberdade de
culto, a Península Ibérica tornou-se um refúgio ideal e palco de uma intensa
troca civilizatória entre elementos das culturas cristã, muçulmana e judaica.
Entre os frutos desse intercâmbio, destaca-se a Astrologia, quase
desaparecida da Europa durante alguns séculos e que retorma ao continente
exatamente pela via do contato com o mundo islâmico, na região do
Mediterrâneo.
Tomás de Torquemada
Com a progressiva unificação da Espanha (resultado da
união dos reinos de Leão e Castela e, mais tarde, destes com Aragão) os
muçulmanos e os judeus foram aos poucos empurrados para o sul, obrigados a
migrar para o Marrocos ou a fazer uma conversão forçada ao cristianismo. Tal
conversão era sempre vista com desconfiança, já que, motivada pela
perseguição religiosa, era apenas aparente: na intimidade de seus lares,
muitos judeus continuavam em segredo a praticar os velhos cultos.
Com o casamento de Fernando, rei de Aragão (a atual
Catalunha, ou seja, a região de Barcelona) com Isabel de Castela (a região de
Madri), os dois reinos se uniram e a Espanha moderna começou a tomar forma.
Torquemada, na época (1478), era frade dominicano e confessor de Isabel, função
que exercia desde 1474. Poucos anos depois ele se transformaria na figura
mais importante da Inquisição Espanhola. Torquemada explorava a desconfiança
popular com relação aos judeus convertidos e difundia a suposta necessidade
de que o país contasse apenas com sangre limpia, ou seja, sangue
puramente cristão. Na prática, era uma ficção, pois, como a Espanha tinha a
maior comunidade judaica da Europa medieval e como eram comuns os casamentos
inter-étnicos e as conversões religiosas, pouquíssima gente na Espanha tinha
sangue realmente puro.
O próprio Torquemada era neto de marranos (judeus
convertidos), fato que ele escondia cuidadosamente. Mas Torquemada não se
deixou abater por este detalhe: decidido a purificar o país, desenvolveu um
trabalho metódico, frio e impiedoso de perseguição aos marranos que resultou
na morte de - segundo algumas fontes - trinta mil vítimas.
O objetivo formal da Inquisição era a erradicação da
heresia, o que, para Torquemada, era sinônimo de eliminação dos marranos.
Para estimular as delações, a Inquisição chegou a publicar um conjunto de
orientações que ensinava aos católicos como vigiar seus vizinhos e reconhecer
possíveis traços de judaísmo. Eis alguns dos sintomas reveladores:
- Se você observar que seus vizinhos estão vestindo roupas
limpas e coloridas no sábado, eles são judeus.
- Se eles limpam suas casas na sexta-feira e acendem velas
bem mais cedo do que o normal naquela noite, eles são judeus.
- Se eles comem pão ázimo e iniciam sua refeição com aipo
e alface durante a Semana Santa, eles são judeus.
- Se eles recitam suas preces diante de um muro,
inclinando-se para frente e para trás, eles são judeus.
A pena mais leve imposta aos marranos era o confisco de
seus bens, técnica que se mostrou muito eficiente como forma de arrecadar
recursos para a guerra contra os mouros. Os reis católicos, Isabel e
Fernando, precisavam de receitas, e a perseguição movida aos hereges por
Torquemada era uma fonte de renda que interessava sobremaneira ao Estado.
Apesar dos protestos do Papa Sixto IV, que jamais chancelou a limpeza étnica
que tinha lugar na Espanha, Isabel e Fernando auto-intitulavam-se
"protetores da Igreja" e defensores da fé, antecipando práticas que
seriam depois amplamente utilizadas pelos regimes totalitários do século XX.
Os judeus que sofriam apenas o confisco podiam dar-se por
satisfeitos. O mais comum era serem obrigados a desfilar pelas ruas vestidos
apenas com umsambenito - traje humilhante, que definia sua
condição de hereges - e flagelados na porta da igreja. A etapa seguinte era a
morte na fogueira, durante os chamados autos-de-fé, após
inomináveis torturas.
Homossexuais estiveram entre as vítimas prediletas da Inquisição Espanhola
Torquemada, no afã de obter dos reis católicos a expulsão
definitiva de todos os judeus, promoveu em 1490 um julgamento-espetáculo,
onde as vítimas foram oito judeus acusados de praticar rituais satânicos de
cruxificação de crianças cristãs. Pressionados pelo clima de crescente
intolerância, em 31 de março de 1492 Fernando e Isabel publicaram seu Edito
de Expulsão: "Decidimos ordenar a todos os ditos judeus, homens e
mulheres, que deixem nossos reinos e jamais retornem a eles." Foi
concedido aos judeus que permanecessem até julho na Espanha. A partir daí, os
que fossem encontrados seriam mortos. Muitos fugiram para Portugal ou Norte
da África, onde enfrentaram mais perseguições; alguns, sem outra alternativa,
aceitaram embarcar numa duvidosa viagem comandada por um certo aventureiro
chamado Cristóvão Colombo; alguns permaneceram na Espanha como "judeus
ocultos" (e seus descendentes são judeus ocultos até hoje).
Após completar a expulsão dos judeus, Torquemada
retirou-se para o monastério de São Tomás, em Ávila, onde passou seus últimos
anos convencido de que desejavam envenená-lo, o que o levava a manter um
chifre de unicórnio, considerado um antídoto eficaz, sempre perto de si. O
Grande Inquisidor acabou sendo vítima de morte natural, em 1498.
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quarta-feira, 27 de novembro de 2013
Tomás de Torquemada
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